(Por Tercio Roberto – Primeiro sobrinho de Ieda)
Tempo muito louco esse o nosso. Talvez nunca um ser humano, pelo menos no que estamos concebendo como um país subdesenvolvido, teve acesso a tanta informação, arte, cultura, meios de produção e lazer.
O trabalho é apresentado como uma virtude. A falta dele, uma verdadeira desgraça social, psicológica e financeira. Do ponto de vista econômico o valor do trabalho é apresentado com verdadeira chave para o desenvolvimento. Quanto mais empregos, mais trabalho, mais felicidade. No sentido oposto, quanto menos trabalho, menos felicidade, menos produção de riqueza, menos tranqüilidade.
Pra quem não tem trabalho, depressão. Para quem é viciado em trabalho, tratamento. O mesmo fato, sob pontos de vista antagônicos, apresenta resultados iguais… Intrigante isso.
Nesse contexto é que vemos a questão do acesso à informação e da relação disso com a nossa cabeça. Enquanto a internet é a minha maior fonte para pesquisa – pelo menos a primeira, para me orientar sobre para onde olhar – ou seja para o trabalho, é também uma boa fonte de lazer – musica, redes sociais, etc. Tenho a sensação de ter um mundo aberto e sem rumo.
Aí é que mora o perigo. Quando eu nasci, sabia que para ser alguém bem sucedido na vida bastava pouco: “UMA FORMATURA”. Depois de um tempo, chegada a ‘formatura’, essa linha foi quebrada para se concluir que aquela não era suficiente. E o que é suficiente?
Não da para saber mais o que é suficiente porque hoje ninguém sabe de nada, ou melhor, sabe de tudo.
Basta uma ‘googlada’ para saber nome e cpf de qualquer mortal. Eu preciso, então, definir qual o limite da suficiência… Difícil. Porque mesmo as formigas trabalham juntas para o próximo inverno. Já nós, trabalhamos sozinhos, rumo a um futuro incerto, numa estrada sem fim, um infinito. Não concorremos mais com a cigarra. Concorremos com a formiga do lado e com a mesma intensidade com aquela localizada do outro lado do planeta, mesmo anônima.
Para alguém de formação puritana, ou melhor, protestante, o trabalho é não apenas o fruto do pecado, mas a verdadeira redenção. É que o trabalho foi imposto por Deus como castigo ao homem em face do pecado original. De outro lado o trabalho mostra-se como mecanismo de consagração. É que o trabalho é o oposto do lazer. E o lazer, normalmente leva o ser humano ao pecado. Isso fica fácil se você lê as noções sobre pecado e virtude. Dos sete pecados capitais, pelo menos a gula, a luxuria, a preguiça e a vaidade estão relacionados ao lazer. A comida, o sexo, o descanso e a beleza estão relacionadas diretamente ao lazer.
Em outro sentido, a virtude, essa encontra-se relacionada ao trabalho, ao ‘suor do teu rosto’ de onde virá o pão! Nesse contexto, sempre se referiu, na fábula da formiga e da cigarra, que a certa era a formiga, porque laboriosa, enquanto a que se dedica ao lazer, a cigarra, era uma irresponsável.
O povo da Bahia é também compreendido nesse sentido. É um povo, como se diz nas ruas da cidade, ‘folgado’, ou ‘descansado’ porque consegue ignorar o sentido do trabalho como algo sagrado. Afinal, sagrado por essas plagas é Cosme e Damião, em cuja cerimônia de reverência se envolve uma comilança dos mais variados quitutes, dentre os quais o acarajé, o vatapá, o caruru, a pipoca, a rapadura, o xinxin e outras tantas guloseimas, próprias do povo daqui. O trabalho não tem nada de sagrado.
Ai é que a loucura fica grande. Porque para quem foi criado tendo como referência o trabalho, fica difícil acreditar que a formiga estava errada!
Porque, fazendo uma análise, não me lembro de um primo, um tio, um avô ou irmão que cultive um hábito, um lazer… uma coleção, um suvenir, um estilo de vida, nada. Na família, todo mundo deu pro que presta… todos laboriosamente TRABALHAM!
Daí cheguei à conclusão: cansei de ser formiga, quero mesmo é ser cigarra. Como? Não faço a menor idéia, mas aí fica com a minha Analista: afinal, não quero ter mais esse trabalho. Já basta!
Salvador, 27 de setembro de 2011.
(Obs.: Tenho o maior orgulho de postar este texto aqui. Ele foi escrito pelo meu primeiro sobrinho e mesmo sem sua autorização, faço questão de publicar aqui essa coisa leve e engraçada, inteligente e intrigante (a cara dele!). Cá entre nós: é pra ficar babando ou não, gente?)