Pensamento infantil

“E pode, Giu? O vilão está pedalando sua bicicleta nas águas do mar!” Foi a pergunta que fiz à Giulia, de cinco anos de idade.

Ao que ela responde: “Não. Não pode porque tem tubarão.”

E o tubarão, de fato, ficou circulando em torno do vilão do filme do Pica-pau até morder toda a bicicleta.

Desenho animado é tudo assim.

As coisas funcionam de um jeito infantil, interessante. Longe de nossa rigorosa lógica que indica que não se pode andar de bicicleta em águas…

Neles é comum aparecer um personagem cortando o outro pela metade e daqui a pouco já está recuperado.

As dores se mostram intensas e com freqüência alguém é transformado numa folhinha de papel. Amassado totalmente. Basta um sopro, um sacolejo e a personagem está novinha em folha. Literalmente em folha.

Há um pensamento além da realidade nos desenhos animados infantis.

E quão interessante é perceber que as crianças compreendem aquele universo com tanta simplicidade, liberdade e beleza.

Para a pequena Giulia não interessa se o mar oferece ou não atrito suficiente para mover os pneus da bicicleta do vilão.

Valem outras categorias.

As preocupações são outras.

As importâncias são outras.

O pensamento é desburocratizado.

É assim a imaginação infantil.

“Superar-se e enfrentar-se dói.”

(já que praticamente não estou mais no famigerado mundo acadêmico, tenho a liberdade de ‘livremente’ pensar o texto abaixo).

Para a sorte do Dr. Breuer o seu encontro com o Sr. Nietzsche aconteceu apenas nos escritos literários do Dr. Irvin.

Eu detestaria viver ao lado do Sr. Nietzsche ou ser por ele interpelada. Acho que sim.

Para mim ele é um presunçoso. Um inquiridor.

Ao mesmo tempo ele me atrai, fascina e cansa.

Especialmente me cansa muito.

Afirmar que “morre-se muitas vezes enquanto se vive” é um pouco do que penso. Confesso.

Volta e meia concordo com ele.

Mas quando ele diz, além de tantas outras coisas, que sua experiência com a inspiração não vem de sua procura, nem de suas indagações e que seus escritos não vêm de suas escolhas e sim se impõem sobre ele com o imperativo de ser escrito, independente de sua vontade, é também a minha experiência. A de Manoel Bandeira também. Acredito que seja a experiência de tanta gente além de nós…

Agora mesmo, na madrugada, tive que deixar minha cama quentinha para escrever esse texto. Eu não controlo essas coisas. As idéias são que mandam em mim.

Só não vejo as pessoas pretensiosamente indicando que “duvidamos de que deveríamos voltar atrás milhares de anos para encontrar alguém igual a mim.”

Faltou-lhe humildade, Senhor Nietzsche. Nesta e em tantos outros escritos seus.

O Senhor é uma pessoa que, de tanto perseguir a verdade, inquire nossos mais profundos valores e nos questiona até à fadiga.

Como bem sugere o escritor Irvin, supostamente não teria sido fácil tratar suas dores físicas. As interiores, as mentais… impossível de serem sequer identificadas.

Seus médicos provavelmente sofreram com sua presença, uma vez que, já que o Senhor conhecia muito suas patologias, deveria ser um insistente questionador.

Talvez, em alguns casos, melhor que seus próprios médicos mesmo.

Um chato. Pensante. Instigante. Um homem difícil.

Fico aflita com quem me instiga tanto. Com quem tenta escravizar e fatigar minha mente, pois, como bem afirma o Senhor, “Superar-se e enfrentar-se dói.”

Dói mesmo. Rs.

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