Amor

Há categorias de conceituação filosófica que me levam à profunda reflexão: morte, imortalidade, forma e conteúdo, qualidade e quantidade, lugar, não-lugar, felicidade, amor, ódio etc.

Passei pelos escritos de Sócrates e seu discípulo Platão; Jesus Cristo, seus discípulos e livros teológicos. Paulo Freire; Espinosa o filósofo da Alegria. Vi também alguns contos espirituais do Tostói e tantos outros.

Uma nota fica, entretanto, fixa em minha memória: o Amor está além de qualquer conteúdo. Posiciona-se num espaço de excelência e, embora já o tenham tentado definir de variadas formas, ele continua além da nossa “vã filosofia”, como diria Shakespeare, em Hamlet.

O Pastor Flordenísio de Almeida Sampaio nos brindou outro dia desses com uma mensagem que contrastava ódio e amor, fazendo prevalecer o mais sublime deles. E iniciou questionando acerca da gravidade de se aplacar ódio com ódio. Pensando assim: quão sublime seria conseguir destruir meus inimigos transformando-os em meus amigos. E seguiu adiante: “aplacar ódio com ódio escurecerá ainda mais uma noite já sem estrelas”.

O que levou Hitler a provocar o holocausto quatro milhões de Judeus? A afirmação científica de que havia desigualdade entre os homens e que os Alemães seriam o melhor povo existente e dali, da Alemanha, surgiria um mundo melhor. Esta idéia tinha base científica em “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, que demonstrava que as espécies não são imutáveis e que evoluem gradualmente a partir de um antepassado comum à medida que os indivíduos mais aptos vivem mais e deixam mais descendentes. Além disso, Hitler se apoiava na ilusão de que os alemães possuíam uma beleza superior; também o nazismo se firmava num profundo amor (amor?) à pátria e no sentimento de racionalismo próprio da modernidade. Em outras palavras: desamor. O ódio pelos judeus e ciganos levou Hitler a cometer os desmandos de Auchewitz..

Napoleão Bonaparte certa vez pontuou que ele havia conseguido dominar quase todo o mundo por suas conquistas. Ele e Alexandre, o Grande, apoiaram grandes impérios à base da força e do ódio. Mas o conquistador segue afirmando: Jesus conseguiu vencer e montar seu reinado pelo amor. Por sua causa pessoas se dispõem a morrer e a viver até hoje.

A mensagem de Cristo era: “vocês já ouviram dizer: amem seus amigos. Eu, porém, lhes digo: amem seus inimigos!”

E eu fico aqui pensando: e quando não conseguimos amar nem a quem está perto, a quem é nosso amigo, a nossa própria família?

Precisamos rever nossa humanidade.

Eu, dona de mim.

Deixa a vida me levar! Vida, leva eu…” de Zeca Pagodinho.

Hoje de manhã eu me apanhei cantarolando isso.

Depois me veio a “Vida louca, vida, vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve”, de Cazuza.

Músicas que fazem muito sucesso por aí. E nos fazem cantar, curtir.

E quase sem querer nos levam a pensar que o destino é algo inexorável, intocável. Algo em que não podemos interferir.

Agora a mais nova é: “Eu tiro onda para onda não me tirar”, do Jairzinho. Eu prefiro assim: eu, dona de minha vida. Tendo algum controle sobre ela.

É como o Efeito Borboleta. Recomendo o filme. Uma loucura as possibilidades que vão se desenrolando ao longo do filme e todas elas dependeram de minutos de decisão.

Um sim ou um não definiam um futuro feliz ou não.

Um breve momento acabava sendo responsável pelo desencadeamento de sucessos ou derrotas. Tristezas ou alegrias.

Isso me faz pensar que sou a pessoa que norteia a minha própria vida. Eu toco nela para o bem ou para o mal.

É claro que as circunstâncias, a sociedade, as ideologias vigentes e tantos outros fatores são também peças importantes para o que serei ou para o que ocorrer comigo no futuro, porém o comando da história, da minha história, depende essencialmente de mim.

Individualmente.

Eu opto, escolho, defino.

Minhas limitações estão, então, além de mim. Além de meus desejos. Nas mãos das macro e micro-estruturas, da minha família, do meu contexto sócio-cultural. Isso também é expressivamente pesado e determina muito em minha história.

Estou no mundo. Nele, me adapto. Mas especialmente o rejeito. Não o aceito. Questiono as coisas.

Eu, particularmente me afeiçôo com o pensamento de Paulo Freire quando afirma que

“Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isto não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidades e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável.”

Além de Paulo, o apóstolo de Cristo: “não se conformem com este mundo. Mas transformem-se a si mesmo pela renovação da sua mente”.

E eu quero, desse jeito, ser mais. Muito mais. Melhor do que sou agora.

Em tudo.

Algumas referências:

Freire, P. Pedagogia da Autonomia; saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 21.
Bíblia Sagrada. Carta do Apóstolo Paulo aos Romanos, Cap. 12. Vers. 2. Nova Versão Internacional.

Amenidades


Este é o tempo em que as pessoas pensam na seguinte linha: quanto mais bugigangas eu conseguir comprar, mais serei feliz.

E a gente vive na correria das compras.

Fomos mesmo reduzidos a meros consumidores.

Para um bom observador, nosso lixo é muito colorido; típico do título de ‘bons’ consumistas que decidimos ter nos últimos anos. Decidimos ter ou nos impuseram ter. No fundo, tudo a mesma coisa se nos julgamos proprietários de massa encefálica desenvolvida.

Para não me julgar melhor que ninguém ou mais crítica, mais isso ou aquilo, vou confessar que também uso os produtos coloridos de nossos supermercados. Uso, sim. E muito. Rs.

Há coisas, a propósito, que são estritamente importantes no nosso dia a dia.

Por exemplo, quem já tentou abrir uma lata sem o devido abridor? É um problema! Você pode até tentar fazê-lo com uma faca, mas não é fácil, não.

Ou abrir um bom vinho sem aqueles aparelhinhos próprios… Uma lástima!

Apesar de os especialistas falarem muito mal dos palinetes, aqueles que usamos para limpar ouvidos ou retirar maquiagem (dentre outras funcionalidades…), eles são, sim, muito úteis e ficar sem palinetes em casa…

Por outro lado a gente é levada a pensar que existe em algum lugar do mundo a nossa alma gêmea, nossa cara-metade; já completa. Perfeita, como os produtos coloridos e criteriosamente embalados das prateleiras.

Pior ainda quando a gente se cansa do que pensávamos ser nossa cara-metade e, como fazemos ao final do consumo, jogamos no lixo a pessoa que tínhamos amado e que era a ‘ideal’ para mim, por quem tanto lutei para ter ao meu lado…

E seguimos assim: consumindo.

Apenas consumindo.

Pensar é cansativo demais.

“Se, em sociedade, não funcionam os canais pelos quais os diferentes se ouvem é porque alguma coisa tá emperrada. Sociedade emperrada socializa os Homens sem politizar. Como? Sociedade apenas adestrando Homens e Mulheres para exercer técnicas. Nisso não existe cidadania. Existe apenas competência e competição.”

(Adriano Nogueira)


Sapatinho do João

Com apenas dois meses de idade
Ele é tão grande
Tão grande
Que não há sapatos
Que lhe caibam.

Então ele usa meias.
Pequenas.
Suas meias também lhe apertam os pés.

Não pode usar sapatos
Que lhe caibam
Pois eles são feitos
Para quem já está andando
(Com solado duro!)
E ele tem apenas
Dois meses de idade.

Foi por isso
Que eu não resisti
Ao impulso de roubar-lhe
Um par de meias.

Azuis.
Da cor do mar.
Da cor do céu.

E me assusto
E sorrio

Toda vez que abro a bolsa
E vejo
o par de meias azuis.

Acessibilidade

Quase que a gente não valoriza a nossa capacidade de se mover, de se deslocar; a menos que tenhamos sofrido algum imprevisto ou, por qualquer motivo ou acidente, a gente se veja limitado ou impossibilitado de andar ou frequentar os lugares por onde as pessoas naturalmente andam, a gente não discute o assunto.

Nosso direito de ir e vir, garantido pela Carta Magna brasileira é, sim, constantemente limitado pelas muitas barreiras arquitetônicas de nosso País.

Este fim de semana estive observando em Salvador, nossa capital turística, as tantas barreiras que temos que enfrentar.

E fiquei pensando: estou aqui na rodoviária soteropolitana, com uma mala de rodinha e com alça (rs) e peno para chegar até o guichê e comprar a passagem. Há dois lances de escadas tanto no caminho que me leva do ponto do ônibus ao primeiro andar da rodoviária quanto deste espaço aos estandes de vendas das passagens.

E se eu tivesse alguma limitação física? E se eu estivesse de cadeira de rodas ou de muletas?

No Brasil há legislação que regulamente este estado de coisas. A Lei de acessibilidade – Decreto lei 5296 é relativamente novo (2004), mas já é hora de ser cumprida, ao menos nos espaços de grande movimentação pública.

Aqui em Jequié é simples perceber que todos os Planos Diretores elaborados até o momento contemplaram apenas os veículos. Há ruas – não todas! – pavimentadas e muitas delas estão asfaltadas até. (Vale ressaltar que os bons engenheiros civis entendem que esse tipo de cobertura das ruas aumenta a temperatura da cidade e a impede de respirar. Depois falaremos disso).

Os passeios possuem árvores que dificultam a passagem das pessoas que são obrigadas a disputarem com veículos automotores o espaço. Um perigo eminente!

Abaixo, faço questão de colar uma parte do Capítulo III da lei mencionada acima, que dispões sobre as Condições Gerais da Acessibilidade, para conhecimento dos meus dois leitores:

Art. 8o Para os fins de acessibilidade, considera-se:

I – acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação, classificadas em:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços de uso público;

b) barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso comum nas edificações de uso privado multifamiliar;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de transportes; e

d) barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação.

Além das barreiras, algumas soluções:

Art. 15. No planejamento e na urbanização das vias, praças, dos logradouros, parques e demais espaços de uso público, deverão ser cumpridas as exigências dispostas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT.

§ 1o Incluem-se na condição estabelecida no caput:

I – a construção de calçadas para circulação de pedestres ou a adaptação de situações consolidadas;

II – o rebaixamento de calçadas com rampa acessível ou elevação da via para travessia de pedestre em nível; e

III – a instalação de piso tátil direcional e de alerta.

Dentre outros direitos, vale a pena dar uma olhada em todo esse decreto.

Conclusão: direitos existem. Restam ser atendidos.

É isso.