Há um evento que ocorre no desenvolvimento da subjetividade do ser humano bastante interessante e que denominamos “Estadio do Espelho”, a partir do teórico Lacan, um Psiquiatra francês que releu toda a obra de Freud.
Ele menciona uma experiência que diferencia o homem do animal, que marca um momento importante na formação da identidade do bebê humano.
Ao colocarmos um bebê e um macaco, por exemplo, defronte ao espelho, os dois, inicialmente, possuem a mesma reação: num primeiro momento, o espelho não lhes diz nada. Num segundo momento: estranham a imagem refletida, brincam, querem tocar no objeto como se entendessem que ali em sua frente houvesse um outro bebê e/ou, no caso do macaco, outro animal.
Mas tem um ponto que é crucial para marcar a diferença entre o homem e o animal: aquele instante em que o bebê se olha no espelho e percebe que ali, refletido na imagem, é ele mesmo que está. E ele olha para quem o sustenta nos braços e sorri. Naquele momento ele, diferente do animal, se vê portador de uma borda, de um corpo. Ele se vê. E a pessoa que o segura, que o sustenta, confirma finalmente que sim: é ele quem aparece no espelho.
O animal, não. O animal não se percebe. Não se descobre. Não elabora sobre si a ideia de que é um ser. Não possui essa faceta humana de se ver, de se olhar, de se identificar consigo mesmo. Nem pensa sobre si, sobre sua vida. O animal não se critica, não desenvolve o que chamamos de identidade pessoal.
Essa é nossa grande diferença em relação aos animais: nós podemos pensar sobre nós. Que maravilha, não é?
Mas o que isso tem a ver com Narcisismo Digital? Pensemos: está na moda tirarmos fotos de nós mesmos, fazermos autoretratos e postarmos nas redes sociais. Nesse momento, quando postamos a foto nas redes sociais, temos as selfies. Provavelmente isso demonstra um certo narcisismo, um amor próprio, uma autoadmiração. Certo? Há controvérsias. Esse evento está sendo estudado por sociólogos, psicólogos, psicanalistas e muita gente que se interessa pelo tema.
O fato é que há uma busca desenfreada pelos likes. Há uma espera quase aflita por parte de quem posta as selfies no sentido de saber se o outro me reconhece, se gostou de minha imagem divulgada, se me aprova e, parafraseando a ideia do Estádio do Espelho: se o outro pode ‘sustentar’ minha existência com o seu “ok”, com o seu like, com o seu: “parabéns, você existe”. É mesmo a partir do reconhecimento do outro que nos formamos.
Se tentarmos não fazer julgamento de valor para o tão presente Narcisismo Digital que temos vivido a partir das redes sociais nos últimos anos é inevitável perceber (e isso é ponto comum entre os pensadores do assunto) que há uma tentativa angustiosa para recebermos reconhecimento e para validar nossa existência e isso parece se consolidar toda vez que o outro me dá um ‘like’ nas redes sociais. Só que isso ocorre hoje, entre nós: adultos.
É como se a pessoa concluísse: sim, estou vivo e minha existência foi confirmada pelo outro: veja quantos likes recebi naquela selfie. Isso vale para adultos? Vale. Mas o adulto minimamente amadurecido já deveria saber de si e não depender tanto do olhar do outro. Quem sabe estar mais autoconfiante, com a autoestima melhor elaborada?
Isso tudo ocorre num contexto social em que a superfície é bastante valorizada, como traço do mundo contemporâneo. As profundidades são desprezadas em várias áreas do conhecimento. Há uma certa preguiça ou desânimo em buscar sentimentos mais consistentes ou melhor elaborados sobre a existência humana e acabamos, então, na beira. No raso. Empobrecidos tal qual Narciso que morre vislumbrado em sua própria imagem.
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